Praticante da psicanálise por longo tempo, doida por uma boa viagem e fácil de criar amizades e fãs, a Dra. Elisabeth Roudinesco (pesquisadora da Universidade Paris VII) pergunta a si mesma: “… por que, após cem anos de existência e de resultados clínicos incontestáveis, a psicanálise era tão violentamente atacada hoje em dia pelos que pretendem substituí-la por tratamentos químicos, julgados mais eficazes porque atingiriam as chamadas causas cerebrais das dilacerações da alma.”
A autora argumenta e está consciente de que “A psicanálise atesta um avanço da civilização sobre a barbárie.” Daí seu empenho na afirmação de que o homem é livre por sua fala.
Somos profundamente afetados por nossa época.
“É justamente a existência do sujeito que determina não somente as prescrições psicofarmacológicas atuais, mas também os comportamentos ligados ao sofrimento psíquico. Cada paciente é tratado como um ser anônimo, pertencente a uma totalidade orgânica. Imerso numa massa em que todos são criados à imagem de um clone, ele vê ser-lhe receitada a mesma gama de medicamentos, seja qual for o seu sintoma. Ao mesmo tempo, no entanto, busca outra saída para seu infortúnio. De um lado, entrega-se à medicina científica, e de outro, aspira a uma terapia que julga mais apropriada para o reconhecimento de sua identidade. Assim, perde-se no labirinto das medicinas paralelas.
É por isso que assistimos, nas sociedades ocidentais, a um crescimento inacreditável do mundinho dos curandeiros, dos feiticeiros, dos videntes e dos magnetizadores. Frente ao cientificismo erigido em religião e diante das ciências cognitivas, que valorizam o homem-máquina em detrimento do homem desejante, vemos florescer, em contrapartida, toda sorte de práticas, ora surgidas da pré-história do freudismo, ora de uma concepção ocultista do corpo e da mente: magnetismo, sofrologia, naturopatia, iridologia, auriculoterapia, energética transpessoal, sugestologia, mediunidade etc. Ao contrário do que se poderia supor, essas práticas seduzem mais a classe média — funcionários, profissionais liberais e executivos — do que os meios populares, ainda apegados, apesar da precariedade da vida social, a uma concepção republicana da medicina científica.” Pg. 14-15.