Nesta última quinta feira, 16 de outubro, tivemos nosso 4º encontro do grupo de estudos de Christopher Bollas. A associação feita com esta obra veio da discussão do grupo em torno da questão da representação, suscitada pelo texto do livro A sombra do objeto.
Neste livro, Bollas apresenta dentre outros conceitos, o importante conceito de objeto transformacional – que se relaciona com uma experiência de modificação do ambiente interno e externo que o bebê tem com a presença da mãe nos primórdios de sua relação. Além disso ele finaliza o livro com o tema: “conhecido não pensado: primeiras considerações”. A exploração de outras dimensões do inconsciente, para além do inconsciente reprimido descrito por Freud, oferece uma abertura para a intersecção com o campo das artes e seus efeitos em nós. A investigação de processos criativos que são postos em ação na produção artística em suas múltiplas manifestações certamente tem na obra de Bollas uma valiosa fonte de estudo.
Acredito que esta associação com a obra “Uma árvore de carvalho” se deu durante a discussão pelo efeito instigante de abertura de novos campos que a experiência estética carregada pela arte traz para dentro de nós. E Bolllas discorre sobre esta potência de produzir aberturas perceptivas e sensíveis de nossa consciência neste e em muitos outros livros seus. Por outro lado, esta obra de Craig- Martin, mais do que nos trazer uma experiência estética singular, nos faz pensar sobre a representação, uma das marcas característica da escola de arte conceitual. A força da originalidade desta obra tornou inesquecível este encontro.
“Uma árvore de carvalho” é uma obra conceitual de Michael Craig-Martin, que tive o prazer de ver exposta numa mostra de arte contemporânea em 2004, na Oca, em São Paulo: Art Revolution: a Bigger Splash arte britânica da Tate de 1960 – 2003. A obra consiste num copo de água apoiado sobre uma pequena prateleira, ladeado por um texto “explicativo” do próprio Michael que reproduzimos abaixo:
Pergunta – Para começar, você poderia descrever esta obra?
Resposta – Sim, claro. O que fiz foi transformar um copo d’água em um carvalho sem alterar os acidentes do copo d’água.
Pergunta – Os acidentes?
Resposta – Sim, cor, sensação, peso, tamanho…
Pergunta – Para você o copo é um símbolo do carvalho?
Resposta – Não, não é um símbolo. Eu mudei a substância física do copo d’água para a do carvalho.
Pergunta – Parece um copo d’água…
Resposta – Sim, é claro que parece. Eu não alterei a aparência. Mas não é um copo d’água. É um carvalho.
Pergunta – Você pode provar o que fez?
Resposta – Bem, sim e não. Eu digo que mantive a forma física do copo d’água e, como você pode ver, eu mantive. Entretanto, como sempre se busca a prova de mudança física em termos da forma alterada, esta prova não existe.
Pergunta – Você simplesmente não chamou este copo d’água de carvalho?
Resposta – De jeito nenhum. Não é mais um copo d’água. Eu alterei sua substância. Chamá-lo de copo d’água seria impreciso. Pode-se chamá-lo de qualquer coisa, mas isso não altera o fato de que seja um carvalho.
Pergunta – Foi difícil efetuar a mudança?
Resposta – De jeito nenhum. Mas foram anos de trabalho antes de me dar conta de que poderia fazê-lo.
Pergunta – Quando foi exatamente que o copo d’água se transformou num carvalho?
Resposta – Quando eu coloquei água no copo.
Pergunta – Isso acontece sempre que enche de água o copo?
Resposta – Não, claro que não. Apenas quando eu tenho a intenção de transformá-lo num carvalho.
Pergunta – É a intenção que causa a transformação?
Resposta – Eu diria que ela precipita a transformação.
Pergunta – Mas você não é a única pessoa capaz de fazer isso?
Resposta – Como vou saber?
Tal como outras obras de arte conceitual, esta obra traz uma investigação e reflexão sobre a arte, linguagem e representação.
“Sua abordagem ‘uma árvore de carvalho’ é baseada no conceito de transubstanciação, a noção central da fé católica na qual acredita-se que pão e vinho se converteram em corpo e sangue de Cristo, embora mantenham suas aparências de pão e vinho. A habilidade de acreditar que um objeto é alguma outra coisa que não aquilo que sua aparência indica requer uma visão transformativa. Este tipo de visão (e conhecimento) é o coração do processo de pensamento conceitual, por meio do qual valores intelectuais e emocionais são conferidos a imagens e objetos. ‘Uma árvore de carvalho’ usa a fé religiosa como metáfora para este sistema de crenças o qual é central para arte, segundo Craig- Martin”. (Tate Gallery)