Pontos nada Cardeais: uma geografia sensível a partir do Dicionário Amoroso da Psicanálise.

ROUDINESCO, Elisabeth Dicionário Amoroso da Psicanálise, tradução André Telles, Rio de Janeiro, 2019.
Traduzido de Dictionaire amoureux de lá psychanalyse, Paris, Éditions Plon/Seuil, Paris, 2017.

Rio de Janeiro 1925

Cidades brasileiras 136 tons de pele

Bem mais que nas outras regiões do mundo, as cidades brasileiras foram o receptáculo de todas as contradições possíveis da psicanálise. Nesse país que aglutina vários países, as cidades desempenharam um papel considerável na expansão de todas as correntes da psicanálise. Todas reivindicam identidade própria, não obstante encontremos características comuns em cada uma delas. Nessas cidades – Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Porto Alegre, Campinas, Belo Horizonte -, tive uma acolhida calorosa e sempre me surpreendeu a paixão com que, há diversas gerações, os brasileiros das grandes cidades se interessam não só por todas as formas de psicoterapia e medicina da alma, como também por sua história e a história mundial da psicanálise. Tudo se passa como se sua curiosidade pela alteridade os impelisse cada vez mais a compreender e escutar as diferenças culturais. Uma pesquisa listou no Brasil 136 tons de pele: brancas, negras, pardas, oliva, morenas, amarelas, indefiníveis. Nada mais estimulante do que dar conferências nas cidades brasileiras perante um público entusiástico, atento e generoso. Em cada cidade, existem dezenas de associações psicanalíticas, inúmeros institutos de ensino e iniciação à clínica. Quanto aos terapeutas, interrogam-se tanto sobre os distúrbios psíquicos – coletivos ou individuais – como sobre a maneira de abordá-los nos meios sociais mais pobres, em especial nas favelas.

Cidades brasileiras

Em todas essas cidades sinto-me em casa, e a cada périplo encontro os mesmos amigos, minha editora Cristina Zahar e meus ex-doutorandos, agora professores, que também encontro no mês de janeiro, em Paris. Pois é durante o inverno europeu que os brasileiros vão ao estrangeiro. Os que conheço e amo viajam muito e falam várias línguas – Ana Maria Gageiro, Catarina Koltai, Marco Antônio Coutinho Jorge, Paulo Ceccarelli –, adoram frequentar os bistrôs parisienses, passar noites inteiras trocando ideias e participar de seminários na universidade. Como muitos latino americanos, são elegantes e corteses, preocupados com sua aparência e seu corpo, atentos à beleza das peles, da mais clara à mais morena. Atravessam com facilidade as fronteiras, apreciam a estética das “passagens” tão bem descritas por Walter Benjamin. Gostam de flanar, de jantares festivos, passeios, presentes, de cultivar a autoestima. Gosto dos psicanalistas brasileiros, aprecio seu saber clínico, suas qualidades terapêuticas, seu pragmatismo, sua curiosidade insaciável, sua capacidade de fazer a cultura freudiana viver e de zombar sutilmente da arrogância com que seus pares franceses continuam a tentar colonizá-los, tomando-se por gurus.

Rio de Janeiro 2022

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