Pontos nada Cardeais: uma geografia sensível a partir do Dicionário Amoroso da Psicanálise.
ROUDINESCO, Elisabeth Dicionário Amoroso da Psicanálise, tradução André Telles, Rio de Janeiro, 2019.
Traduzido de Dictionaire amoureux de lá psychanalyse, Paris, Éditions Plon/Seuil, Paris, 2017.
Autor: Jorge Artur Canfield Floriani.
Budapeste
Prazer do irracional
Depois de Viena, sua irmã gêmea, Budapeste foi a segunda cidade dos primórdios da psicanálise. A ponto de, após a Primeira Guerra Mundial, Freud cogitar fazê-la capital de seu movimento. Em pleno coração da Mittel europa, e durante o longo declínio da famigerada monarquia bicéfala que unia o reino da Hungria ao império dos Habsburgo, a atividade freudiana foi bastante intensa ali, em especial durante o abençoado período da Belle Époque e graças ao lugar eminente ocupado por Sandor Ferenczi, intelectual de grande talento e clínico inaudito, autor de uma obra importante e de uma correspondência volumosa com Freud, de quem era o discípulo mais próximo. Freud gostava dele como de um filho e sonhou inclusive em dar-lhe sua filha Mathilde como esposa, tendo-lhe confessado no dia seguinte ao casamento desta com Robert Hollitscher: “Posso lhe confessar agora”, escreve-lhe em 7 de fevereiro de 1909, “nesse verão eu bem gostaria de vê-lo no lugar do rapaz, de quem aprendi a gostar desde então e que agora partiu com a minha filha.”
Manifestamente, teria desejado que seus futuros netos fossem também herdeiros daquele a quem considerava um membro de sua família, oriundo do mesmo cadinho cultural que o seu. E, em 2 de março de 1917, quando soube que Matilde não poderia ser mãe, escreveu estas palavras ao amigo: “Convém notar que, se tivesse se casado com Mathilde, você não teria tido filhos, o que aliás eu ainda não sabia na época.” Foi a ele também que contou, em novembro de 1917, que estava em vias de tratar um doloroso edema no palato, e fumando cada vez mais charutos. Freud, o darwiniano racionalista, não estava ao abrigo das piores incoerências.