Breaking Bad: a pegada contracultura muda o caráter comercial da série

Parte desta matéria foi escrita a partir do trabalho “Ilusão de ser autossustentável no uso e produção de drogas ilícitas”, apresentado como “Comunicação Oral no X Encontro Brasileiro sobre Pensamento de Winnicott”, São Paulo, setembro 2015.
Jesse Pinkmann e seu ex-professor de Química, Walter White, juntaram-se em uma sociedade improvável para realizar seus desejos e aplacar necessidades. Garantir o futuro financeiro da família – esposa grávida, um filho adolescente com Paralisia Cerebral – torna-se um desejo imperativo quando Walter descobre um câncer de pulmão no estágio III. Jesse, jovem usuário de metanfetamina, filho de uma família turbulenta sem muitos recursos para enfrentar sua adolescência, toma um caminho mais hardcore.
Na Wikipedia, na página dedicada à série Breaking Bad, o ator Aaron Paul, que faz Jesse Pinkman, fala de seu personagem:
“…um traficante que se associa a Walt e juntos fazem metanfetamina de alta qualidade. Paul vê Jesse como um garoto engraçado. “Ele é apenas esta alma perdida – Não acho que ele seja uma má pessoa, ele simplesmente se misturou na turma errada” Paul elaborou a base do personagem, dizendo que “ele não vem de um fundo abusivo, alcoólatra. Mas talvez ele simplesmente não se relaciona com o seu pai, talvez seu pai era muito rigoroso e muito correto para Jesse.” [Wikipedia, colhido 12/4/2015.]
A hipótese do ator, que parece ter estado presente na construção do seu personagem, revela sua sensibilidade e compaixão pela vida turbulenta do jovem Jesse. Ele retira ideias-clichê como elementos traumáticos, de natureza mais explicitamente violentos como sendo as raízes do envolvimento e dependência às drogas de Jesse; ele coloca no desencontro entre filho e pai, a quem atribui uma provável rigidez, à qual acrescentaríamos aspectos narcísicos mais proeminentes; a psicanálise nos informa que tais características o tornariam incapaz de manter o investimento desejante neste filho que o desapontou.
Mesmo assim, Paul apresenta seu personagem como um traficante, fiel aos fatos narrados.
No entanto, sinto-me tentada a enveredar pelo caminho proposto pela juíza do filme Meu nome não é Johnny, enfatizando outro aspecto para julgar Johnny quando ele se torna o réu. Creio, daquilo que minha memória me informa, que este foi o caminho adotado por ela que vou usar para caracterizar a constituição de Jesse.
Jesse é, antes de mais nada, alguém que usa a droga. E como mostra seu estilo de vida marginal, destemperado e muito angustiado, este uso é do tipo dependente, visível em seu estilo de vida aditivo. A produção da droga é extensão de sua adição, uma forma de tentar ganhar um pouco de autonomia em relação à rede de tráfico instituída; ou também, diminuir as perdas que a dependência acarreta, conseguindo uma fonte de renda autônoma sem a submissão problemática às regras de um emprego formal.
Tornar-se produtor foi uma saída alternativa à abstinência, às vezes conseguida na raça.
E mesmo que o defina como traficante, Paul foge mais uma vez dos clichês que o preconceito do imaginário proibicionista associa ao tráfico; ele faz uma caracterização de seu personagem de uma forma leve e cativante, condizente com a simpatia e compaixão despertado graças à performance de Paul interpretando Jesse.
Heróis ou anti-heróis contemporâneos arrastam pelo mundo uma multidão de fãs. Aclamada na TV a cabo norte-americana como campeã de audiência em 2013, Breaking Bad, segundo seu criador, refere-se a uma gíria sulista estadunidense que designa “tomar um caminho desviado”, passando a fazer coisas erradas. Torcemos pelo sucesso da empreitada de Jesse e Walt mesmo que no fundo acreditemos ser impossível um final feliz. Uma série cujo sucesso é também um termômetro do desejo de sair da tensão alcançada pelas contradições acumuladas em um século do proibicionismo – tratamento criminalizante a determinadas drogas – e décadas de Guerra às Drogas.
Breaking Bad transforma em narrativa romanceada, beirando o tragicômico, o anúncio dos tempos de fim de guerra às drogas. A mentalidade oposta anti-proibicionista fica implícita, ainda que de forma negada ou depreciada, pois ainda é apresentada como loucamente sonhadora ou friamente calculista. Ela aparece no desespero apaixonado de Jesse – uma espécie de chocólatra chocolatier das anfetaminas – que luta seriamente contra seu estilo de vida aditivo para tentar fazer dar certo seu negócio.
O personagem de Walt foge ainda mais dos clichês comumente associados ao tráfico: professor mal remunerado e insatisfeito, sóbrio e fechado, portador de segredos e cisões, cuja afetividade enigmática ameaça seu casamento, mas assegura a frieza necessária para enfrentar o mundo do crime e manipular o mundo da lei. Atravessado pela simultaneidade de questões de vida e morte, talento e conhecimento, lei e crime, amor e ódio, a dimensão do trágico é aliviada em alguns momentos por um tratamento jocoso dado à trama e na construção de seu personagem. Walt convoca os fãs da série no trabalho de perdoar ou justificar suas ações, para poder continuar torcendo por eles.
Preferi me restringir à caracterização dos personagens e não explorar as aventuras vividas por eles na série.
Além de não querer dar spoilers que possam estragar a descoberta da evolução da saga vivida por eles, meu intuito aqui foi ressaltar o colorido, que chamamos de contracultura, que impregnou a série. Este colorido nos anuncia, desde o ano de 2013 em que foi lançada, o que grande parte de nós especialistas acredita: a guerra às drogas foi perdida! A descriminalização, regulamentação ou legalização das drogas é o caminho que poderá reinstituir o rebalanceamento necessário para que comecemos a reduzir os enormes prejuízos acumulados neste século proibicionista.
Uma notícia recente alegrou os fãs: a estreia do filme El Camino: A Breaking Bad Film que será lançado dia 11 de outubro, na Netflix.

Confira também...

Pontos nada Cardeais: uma geografia sensível a partir do Dicionário Amoroso da Psicanálise. ROUDINESCO, Elisabeth...
Luzia Margareth Rago   O mais belo livro da teoria, da vida e da aventura...
Um filme que nos tocou profundamente. Convida a uma reflexão acerca da soberba que acomete...