O equilíbrio perdido: alterações do sono e suas consequências

O sono constitui objeto de interesse desde os primórdios da história. Esse estado tão fundamental para o ser humano foi alvo de diferentes indagações e compreensões ao longo dos tempos. Desde a Antiguidade, os povos da Grécia, Babilônia e Egito interpretavam sonhos como mensagens dos deuses e erguiam templos para que pessoas enfermas recebessem comunicações de cura por meio de experiências oníricas. Hipócrates, considerado o pai da medicina, relacionava a insônia ao aborrecimento e à tristeza, enquanto o filósofo Aristóteles considerava o sono necessário para manter a percepção, que se esgotaria se utilizada ininterruptamente. Além disso, segundo este pensador, os sonhos refletiam o estado do corpo e poderiam trazer referências sobre a saúde do sujeito. Para Aristóteles, o ato de adormecer era desencadeado por vapores da área do estômago, que se deslocavam para a região da cabeça. O sono e seus processos despertaram curiosidade e interesse dos grandes filósofos, pensadores e poetas, e passaram também a ser objeto de estudo dos cientistas. Freud, o pai da psicanálise, publicou em 1900 A Interpretação dos Sonhos. Nessa obra, propôs que conteúdos inconscientes poderiam manifestar-se por meio dos sonhos, sendo possível recordá-los e trazer à consciência desejos reprimidos.
Dessa forma, nos dias de hoje, o sono pode ser concebido como um estado essencialmente ativo e de fundamental importância para a manutenção da vida. A má qualidade do sono pode afetar tanto aspectos físicos como processos cognitivos, podendo ocasionar alterações hormonais, no sistema imunológico e nervoso. Além disso, pode interferir no desempenho profissional, nas relações sociais e familiares. No caso dos professores, essa relação torna-se mais delicada, já que esse grupo se encontra em situação de maior vulnerabilidade, já que o trabalho docente possui uma natureza particular, pois cada aluno apresenta peculiaridades e necessidades distintas, o que torna essa função complexa e desafiadora. As demandas e exigências laborais podem gerar estresse e impacto negativo na qualidade de vida docente e em toda sociedade, já que esse profissional é responsável por parte do desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Atualmente, a sociedade contemporânea sofre perda de sono crônica. Aproximadamente 25% da população adulta dos Estados Unidos apresenta algum distúrbio do sono, ao passo que no Brasil cerca de 20 milhões de pessoas (aproximadamente 12% da população adulta) relatam algum sofrimento dessa ordem. No caso das mulheres, esse problema pode apresentar maiores implicações, visto que muitas enfrentam dupla jornada de trabalho – após cumprida a carga horária profissional, trabalham em casa com os afazeres domésticos e os cuidados com os filhos, resultando em menos tempo de descanso. No caso das professoras, os fatores de risco são ampliados pela própria natureza da atividade docente, cuja estrutura e organização trazem sofrimento psíquico e físico.
A partir desse cenário, torna-se relevante a indagação sobre o estatuto da qualidade do sono e seus desdobramentos sobre a saúde de professores do sem deixar de lado os fatores associados. O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade do sono das professoras do ensino fundamental I, segundo variáveis demográficas, socioeconômicas, de comportamentos relacionados à de saúde, condições de saúde, e Índice de Massa Corporal.
Os resultados mostraram que mais da metade da população estudada apresentou má qualidade do sono (53,8%), associada significativamente com as variáveis estado conjugal, obesidade e duração do sono (menor que sete horas por noite), e com sintomas como excesso de sono dentro e fora do trabalho; cansaço em braços, mãos, pernas e pés; irritabilidade; diminuição da resistência física; angústia; tristeza e taquicardia.
Nesse sentido, diversos autores destacam o impacto negativo dos distúrbios do sono sobre a qualidade de vida: maior incidência de depressão, irritabilidade, instabilidade emocional, desatenção, problemas de conduta, uso de álcool e de outras drogas, ideação ou tentativa de suicídio, fadiga, falta de energia, dores de cabeça e de estômago e pior condição de saúde. De maneira geral, os estudos têm encontrado associação dos distúrbios do sono com problemas de saúde e baixa qualidade de vida, gerando implicações para o bem-estar do indivíduo.
Para além dos aspectos biológicos, há uma dimensão psicológica essencial para a homeostase psíquica do ser humano. O equilíbrio entre vigília, sono e sonho tem influência fundamental e determinante sobre os processos da saúde, tanto quanto sobre a doença. Na cultura contemporânea o espaço para o dormir e, portanto, para o sonhar foi reduzido. Para Freud, o sono e o sonho constituem a via regia de acesso ao inconsciente. Mais amplamente, acesso aos aspectos mais profundos e pessoais que habitam os seres humanos. Com isso, salienta-se a amplitude dos efeitos nocivos da privação do sono sobre a qualidade de vida, mas também sobre o equilíbrio básico do psiquesoma, tema que requer aprofundamento e maiores investigações.

(Imagem: “Dans le Lit” (In bed) de Henri de Toulouse-Lautrec)

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