A intolerância na Pressa

#4 episódio do Podcast Era da Pressa “A intolerância na Pressa” traz o tema da Intolerância com o psicanalista João Ângelo Fantini.
A gente não lida muito bem com o diferente. Tudo aquilo que é incômodo porque que não combina com meu gosto, com meu estilo, com os meus ideais, com os meus pensamentos e com o meu modo de ver o mundo, me perturba. É por isso que buscamos padrões de semelhanças o tempo todo. Rechaçando o que identificamos como estranho, nos protegemos raivosamente contra aquilo que mais tememos existir em nós. E nesse conforto da bolha da segurança, acabamos por empobrecer a nós mesmos em um mundo feito por iguais. Para entender sobre intolerância, precisamos falar sobre o lugar incômodo do terceiro.
A travessia do Édipo não é uma tarefa simples, mas uma passagem necessária para sairmos da unidade básica “eu” e “você”, que vem da relação fusional mãe e bebê somando “1”, para então encontrar o lugar da diferença, do “três”, da possibilidade de estabelecer outros modos de relação e de entrar na cultura. Essa articulação parece falhar quando não há diferenças, onde esse “terceiro” não cabe. E aqui estamos falando das relações fusionais em que estar junto é se indiscriminar, deixar de existir.
O que eu quero dizer é que por mais difícil que seja aceitar ou ocupar o lugar do terceiro, a sua existência é fundamental para darmos espaço para a alteridade, aquele lugarzinho onde o outro pode caber dentro da gente.
Nos tempos atuais, que chamo de Era da Pressa, estamos sempre correndo contra o tempo, regidos pelos ideais narcísicos de produtividade e eficiência. Estamos mais próximos uns dos outros e nos comunicamos mais rápido do que nunca.  Podemos pensar em alguma relação entre intolerância e a nossa relação atual com o tempo? Sim, claro. Na Era da Pre(s)sa, nesse mundo digital apressado, a cultura do cancelamento mostra sua face com doses de anonimato. Nas redes, o outro desaparece a um “clic”. PUF! Deixo de ser seu amigo, paro de te seguir, te bloqueio ou eu te cancelo. Além disso, podemos nos lembrar dos “filtros invisíveis”das redes sociais, chamados algoritmos, que direcionam as curtidas, os produtos, os conteúdos e as informações conforme aquilo que interpretam sobre o comportamento daquele usuário nas redes. E, assim, temos uma sensação de onipotência e controle nessas bolhas e muros que agregam identidades semelhantes e que recusam as adversidades.
Por que o diferente incomoda tanto? O diferente desperta afetos inesperados, gera tensão psíquica e nos faz rever um monte de coisas e repensar as nossas escolhas e, às vezes, nos mostra que estamos errados. É um esforço imenso exercitar a empatia e a alteridade porque é aparentemente mais fácil ficarmos na zona de conforto!
Quando o estranho se aproxima, ele mostra um reflexo distorcido de nós mesmos: as nossas contradições, ambivalências, fraquezas e falhas que, obviamente estão em nós, mas que atribuímos aos outros por defesa mesmo. No momento em que esse estranho outro passa a se aproximar dos espaços públicos e privados, a disputar lugares sociais e de prestígio, as mais ferozes manifestações de intolerância e rejeição surgem conta aqueles que querem pertencer aos mesmos lugares. Não devemos subestimar o poder destrutivo do narcisismo das pequenas diferenças, daquele detalhe inaceitável que faz do outro insuportável, como veremos nesse episódio. Na atual conjuntura da Era da Pressa, parece que o recalcado retorna com muita intensidade. O convite aqui é para refletirmos sobre os processos de intolerância como fenômeno psíquico que constitui uma forma de sintoma social.
Os extremos em muito se parecem e a intolerância talvez seja o que mais se destaca. A segregação faz parte da própria lógica da intolerância e, assim, como defesa, nos afastamos daquilo que desconhecemos, deixando bem longe esse estranho-familiar intolerável.
Mas de onde vem tanta intolerância? Pensando nessa questão, entrevistei o professor e psicanalista João Ângelo Fantini autor do livro “Raízes da intolerância”, da editora Edufscar. João é Professor na USP, PUC-SP e da Universidade Federal de São Carlos. No seu livro, finalista do prêmio Jabuti (2015), Fantini trabalha, juntamente com pesquisadores estrangeiros e brasileiros, como Christian Dunker e Oscar Cesarotto, o tema da Intolerância a partir dos processos psíquicos de subjetivação e nos possibilita entender como isso aparece nas relações sociais e na cultura. Vamos nos escutar?
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