Na seção Convidados de hoje apresentamos uma proposta diferente, publicando um conto do livro “Contos e Fábulas do Brasil” de Marco Haurélio (Autor) e Severino Ramos (Ilustrador).
“Este livro reúne contos da rica tradição oral brasileira recolhidos por Marco Haurélio, cordelista e pesquisador da cultura popular. Histórias de príncipes encantados, fábulas do tempo em que os bichos falavam, narrativas de quando Jesus andava na terra, além de contos do demônio logrado, integram este painel revelador da alma de nosso povo. Em 2005, o poeta e folclorista Marco Haurélio, munido de um gravador, embrenhou-se pelo sertão baiano, com o fito de registrar a rica tradição oral daquela região. O trabalho resultou em uma amostra monumental que inclui contos, lendas, adivinhas, quadras e romances velhos, um tesouro que, aos poucos, vai sendo aberto ao público. Após a publicação de Contos folclóricos brasileiros, voltado ao público infanto-juvenil, é a vez de Contos e fábulas do Brasil, reunião de histórias populares destinada a leitores de todas as idades. A publicação inclui, ainda, alguns contos oriundos de outros estados do Nordeste, como Pernambuco e Alagoas. Ricamente ilustrada, a obra ganhou um tratamento especial por meio de notas esclarecedoras, assinadas pelo conceituado folclorista português Paulo Correia, que trazem, além da classificação e do número de versões, informações sobre o percurso dessas histórias do sertão-mundo.”
Nossa Senhora e o favor do bêbado
Diz que Nossa Senhora estava num ermo com o Menino Jesus. Fazia muito frio e ela não tinha sequer um pano para embrulhá-lo. Quando deu fé topou com um diarista com uma enxada nas costas, indo para o trabalho. Ela, então, lhe rogou:
– Ô meu senhor, você pode ir naquela cidade comprar uns paninhos pra este Menino que está morto de frio?
– Não posso, não! Não vou perder meu dia de serviço comprando pano pra menino dos outros! – e rompeu pra roça.
Daí a pouco vinha um bêbado pela estrada – vai lá, vem cá, vai lá, vem cá. Nossa Senhora fez-lhe o mesmo pedido:
– Ô meu senhor, você pode ir à cidade comprar uns paninhos para meu Menino, que está roxo de tanto frio?
O bêbado se equilibrou nas pernas e disse:
– Vou!…
Pegou o dinheiro com ela foi. Nossa Senhora pensou: “Aquele ali não volta mais!”. Mas não é que voltou?! Lá e cá, mas voltou. Após entregar os panos a Nossa Senhora, o bêbado confessou que retirou do dinheiro duzentos mil réis pra tomar uma pinga. Por conta de sua generosidade, o bêbado foi abençoado por Nossa Senhora. Já o diarista foi amaldiçoado. Até hoje o povo costuma dizer que “criança e bêbado Deus protege”. Já quem vive de serviço de roça, por mais que trabalhe, nunca vai pra frente.
Isaulite Fernandes Farias (Tia Lili),
Igaporá, Bahia.