A escritora Lya Luft, gaúcha de Santa Cruz do Sul (região de colonização alemã) lançou seu primeiro romance em 1980, As Parceiras. Com forte formação em linguística e tarimbada na tradução de grandes autores, tanto na língua inglês quanto alemã, o romance tem um clima íntimo e sereno. A dor existe. Sua personagem, Anelise, reflete, no pleno da já esfacelada ditadura civil militar no Brasil, sobre a condição feminina e suas difíceis contingências.
“Na véspera das bodas minha bisavó, uma alemã decidida que viera ao Brasil há longos anos para visitar parentes, e acabara casando, enviuvando e criando aqui, sozinha, a única filha, chamou o futuro genro, um trintão experiente, e lhe expôs o problema! Não se preocupasse, ele tranqüilizou. Na hora certa, ensinaria à menina o que fosse preciso!
Casando, Catarina deixou na cama de solteira três bonecas de rosto de porcelana. A mãe voltou para a Alemanha, aliviada por estar a filha em boas mãos, destino assegurado.
O destino foi zeloso: caçou-a pelos quartos do casarão, seguiu-a pelos corredores, ameaçou arrombar os banheiros chaveados como arrombava dia e noite o corpo imaturo. Mais tarde, entenderam que os arroubos de meu avó eram doentios: nada aplacava suas virilhas em fogo.
E Catarina sucumbiu a um fundo terror do sexo e da vida. Não os medrosos pruridos de muitas noivinhas do seu tempo, mas uma agoniada compulsão de fugir. Como as poucas e tímidas queixas nas cartas à mãe distante não tivessem, obviamente, resultado, ela se refugiou onde pôde: um mundo branco e limpo, que inventava, e onde se metia cada vez mais. Assumiu o ar distraído que caracterizaria outras mulheres da família depois dela, e tantas vezes reconheci no rosto de minha mãe.” Pg. 13-14.