18º Seminário Clínico
Série: A clínica em tempos de fim de Guerra às Drogas
Instituto Sedes Sapientiae, 2º sem/2020
versão online
Nesta última quinta feira, 26 de novembro, aconteceu o 18º Seminário Clínico: Redução de Danos e Psiquiatria: uma proposta de cuidado, da série iniciada em 2013! Desde então, temos mantido semestralmente a apresentação de casos clínicos, trazidos por membros do próprio corpo docente dos cursos do Barato, convidados nossos ou mesmo de alunos e ex-alunos.
Com esta atividade mantivemos o compromisso de trazer casos clínicos onde preferencialmente as adições e compulsões de álcool e outras drogas ou outros objetos estejam presentes. Não deixamos que as dificuldades, trazidas a nossas vidas pelas profundas transformações que a pandemia nos impingiu, nos impedissem de realizar pelo menos um seminário clínico neste 2º semestre.
O apresentador do caso clínico foi Rafael Baquit, redutor de danos e psiquiatra. Pela segunda vez neste ano tivemos a satisfação de recebe-lo, agora em sessão aberta a profissionais de saúde. No mês de setembro, a turma de 2020 do nosso curso O Barato no Divã: pensamento clínico em curso teve o privilégio de assistir à primeira participação de Rafael, na aula “A voz do usuário”, onde sempre trazemos convidados ligados a movimentos sociais voltados à questão das drogas.
Para nossos alunos, os seminários clínicos trazem a oportunidade de aprofundar o olhar clínico, pois é possível acompanhar uma discussão de caso acrescido dos comentários realizados por profissionais experientes, estendendo e complementando as atividades didáticas voltadas para a clínica, nossa prioridade.
Esta sessão foi concebida partindo da experiência de Rafael, tão valiosa quanto incomum entre psiquiatras, cujas atividades no campo das drogas teve início com a redução de danos, nos moldes praticados pelo Coletivo Balance de Salvador (Andrade; Rittel; Medeiros; Campos e Saad, 2015) do qual ele fez parte. Como nos contou por ocasião da aula, sua formação como médico e em seguida como psiquiatra parece responder também a um desejo de estender e aprofundar as práticas de redução de danos para o âmbito da clínica praticada em consultório.
O encontro da redução de danos e da psiquiatria ganhou marcas próprias no caso trazido de seu início de carreira. Em sua abordagem singular a redução de danos é colocada como uma metodologia a serviço do fomento do auto-cuidado, cuja prática parece pedir um maior desenvolvimento teórico que a inscreva e contribua para a ampliação do campo da redução de danos, que em 2019 completou no Brasil 30 anos de existência.
A convicção e força de sua abordagem em RD pode ser evidenciada no caso trazido. Por outro lado, com a experiência clínica acumulada nestes alguns anos já passados desde este atendimento, Rafael finaliza a apresentação do caso com uma reflexão que ele intitulou como Auto-impressão crítica, avaliando e discutindo aspectos do seu trabalho inicial.
A contribuição de Celi Cavallari, psicóloga e psicanalista, demarcou pontos do manejo das relações familiares, e do empoderamento que o apoio ao paciente e à família podem ter favorecido.
O protagonismo radical auferido à declaração de intenção do paciente de permanecer usando a substância, no caso álcool, e vencer sua dependência, chega a ter matizes sartreanas, implicando o mesmo a dar respostas a consequência de suas escolhas num clima conversacional onde a ampliação da consciência sobre o significado de suas escolhas e o impacto das mesmas sobre sua vida e a vida dos outros parecia ser a tônica.
A abordagem que me ocorreu fazer para esta sessão parece ter sido o reflexo do forte viés reflexivo e autoral da abordagem narrada por Baquit, que eu chamei de sartreano, pois mesclava implicação e ponderação onde era esmiuçado o sentido para o outro de suas próprias ações. Propus questões em torno de alguns eixos temáticos que poderiam ampliar a discussão sobre o caso, sem que fugíssemos para uma linguagem psicanalítica teórica cifrada, que pudesse se distanciar do que foi trazido por Baquit.
Os eixos temáticos das perguntas foram:
- envolvendo diretamente o paciente: Sobre aquisição prévia de autonomia, Sobre aquisição de táticas/estratégias de auto-cuidado;
- envolvendo a família e psicodinâmica: Sobre a dinâmica familiar/dinâmica pessoal;
- e, por fim, sobre aspectos da própria constituição da pessoa e profissional do psiquiatra Rafael: Sobre a presença dos efeitos da militância na contratransferência do psiquiatra.
Ao pensar um tema para este seminário online de 2020, entendemos que a aproximação entre a redução de danos e a psiquiatria, tal como é singularmente proposta por Baquit, seria uma oportunidade de dar continuidade à ação programática do Barato no Divã, que tem no encontro entre práticas e disciplinas alinhadas com a o privilégio dado à autonomia um de seus carros-chefe! O espaço-entre que se forma nestas aproximações carrega uma potência ampliada cujo fomento é uma das prioridades formativas do pensamento clínico que temos inscrito com nossas produções.
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Bibliografia
ANDRADE, M.M.; RITTEL, V.C.; Medeiros, R.G.; Campos, R.B.; Saad, L. SOS BAD TRIP Coletivo Balance de Redução de riscos e Danos [CBRRD]. In: FERNANDEZ O, ANDRADE M, NERY FILHO A, [ ed]. Drogas e políticas públicas: educação, saúde coletiva e direitos humanos. Salvador: EDUFBA; Brasília: ABRAMD; 2015. [p. 225-246].
CAVALLARI, C.; REALE, D. Psicanálise e Redução de Danos: autonomia e mútua potencialização. In: Revista Bis. São Paulo, Instituto de Saúde do Estado de São Paulo, no prelo.
MACRAE E, REALE D, FERNANDEZ O. Intervenções e pesquisas pioneiras em redução de danos. In: Medeiros R, MacRae E, Adorno R. (orgs.). Livro do VI Congresso Internacional da ABRAMD de 2017. Belo Horizonte: ABRAMD; (no prelo).
REALE, D. O caminho da redução de danos associados ao uso de drogas: do estigma à solidariedade. 216p. (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo. São Paulo.1997. p. 100-108.