XI. Porque Dia da Mulher é todo dia! A mulher e suas imagens: bruxas, madonas e stars

(Imagem: Anchieta, Isabelle. Imagens da mulher no Ocidente Moderno. São Paulo, EDUSP, 2020) 
“Por que o dia da mulher é todo dia”. Estamos de volta!
 
É com alegria que anunciamos a retomada de nossa coluna, suspensa desde novembro por motivos alheios a nossa vontade. Desta vez contanto com uma nova equipe de colaboradoras, reiniciamos com o artigo assinado por Diva Reale, dedicado a introduzir alguns comentários sobre a trilogia Imagens da mulher no Ocidente Moderno
A mulher e suas imagens: bruxas, madonas e stars
Isabelle Anchieta nos surpreende com seu livro, dedicado a estudar dentro de um largo período de tempo – da transição da Idade Média para a Idade Moderna, até o século XX – um recorte que permite evidenciar seus achados e hipóteses acerca da importância e significados que a imagem da mulher adquiriu ao longo dos tempos.
Na apresentação geral à trilogia, ela se dedica a mapear e indicar, dentre diferentes posições sobre a significação atribuída à imagem, qual será a vertente que ela adotará.
Suas considerações buscam responder à questão “por que o olhar alheio é tão importante na formação da nossa imagem”?
Ser visto, considerado, reconhecido é, entre as pretensões sociais, a mais rigorosa, na medida em que instaura constantes disputas por existência social […] o aumento da consideração dos outros implica a potencialização de nossos sentimentos de existir e do valor que nos atribuímos como indivíduos e integrantes de grupos com os quais nos identificamos. (Anchieta, 2020, p. 13).
Introduz uma outra qualidade ao ato de fazer-se ver, mais além de ser um ato narcísico – associado à vaidade (amor próprio), ou preservação (amor por si) – acrescentando dentro de uma perspectiva sociológica, a importância das dependências recíprocas da vida de relação social. Trata-se, nos diz ela, “de uma interdependência sociológica e humana, que atrela nosso sentimento de satisfação, felicidade e valor ao outro.”
Se Rousseau defendia que “não há felicidade sem os outros”, Hanna Arendt propõe que nossa condição humana coincide com o olhar alheio (Arendt, 2010, p. 35, apud Anchieta, 2020, p. 13).
Ao escrever esta matéria dedicada à retomada e reorganização de nossas publicações da coluna, temos a convicção que voltaremos outras vezes para falar de nossas impressões da leitura iniciada deste instigante livro. Avancemos apenas um pouco mais.

(Imagem: Anchieta, Isabelle. Imagens da mulher no Ocidente Moderno 1: Bruxas e tupinambás canibais. São Paulo, EDUSP, 2020)

No primeiro volume, a autora se dedica a investigar a construção do estereótipo da bruxa. Os elos associativos, que sua exaustiva pesquisa gerou, sugerem que há uma aproximação entre a circulação na Europa de imagens produzidas no Brasil, em parte pelos frutos da convivência forçada entre as tupinambás canibais do pintor e desenhista Hans Staden, apresentado como uma segunda geração de viajantes, igualmente responsável pela criação da imagem do Brasil. Citando Novais (1999, p. 13, apud Anchieta, 2020, p. 109): “Se o Brasil de Hans Staden não existia, é perfeitamente legítimo perguntar em que medida ele contribuiu para que viesse a existir”.

Aqui nos permitimos escolher um tópico que consideramos pertinente à guisa de finalização desta primeira e rápida aproximação desta bela obra.  Se originalmente o termo estereótipo, foi criado para nomear uma técnica tipográfica francesa em 1795, distinta daquela criada por Gutemberg, rapidamente ela passou a ser associada a ideia de impressão de má qualidade (Anchieta, 2020, p. 78). Apenas em 1922, o termo ganhou sua significação atual: “metáfora das relações sociais, como sendo imagens mentais dos outros, das situações e até de nós mesmos. Formas familiares de classificar, ordenar e fixar o mundo em imagens”. E, mais adiante: “não vemos o que nossos olhos não estão acostumados a levar em conta”, pois segundo ele, “nós definimos primeiro e depois vemos” (Lippman, 2008, p. 115; apud Anchieta, 2020, p. 78). Anchieta complementa: “para isso acontecer, o imaginário coletivo precisa ser alimentado com a repetição regular das imagens”. (Anchieta, 2020, p. 78).

O percurso deste primeiro livro nos mostra como o estereótipo da bruxa foi se constituindo através do séculos, até mesmo incorporando aspectos que a ele se agregou, como as imagens criadas a partir das nossas tupinambás canibais!

Com este pequeno artigo esperamos que nossas leitoras e leitores possam se sentir instigados, como nós, a mergulhar nesta viagem através dos séculos e se deleitar com as descobertas e construções sobre as imagens da mulher ocidental moderna.

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Referências

Anchieta, Isabelle. Imagens da mulher no Ocidente Moderno 1: Bruxas e tupinambás canibais. São Paulo, EDUSP, 2020. 

Arendt, Hanna. A vida do espírito. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010. 

Lippman, Walter. Opinião Pública. Petrópolis, Vozes, 2008.

Novais, Fernando A. O Brasil de Hans Staden. In: Staden, Hans. Hans Staden: Primeiros Registros Escritos Ilustrados sobre o Brasil e seus Habitantes [1557]. São Paulo, Terceiro Nome, 1999. 

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